quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Papai Noel existe

Um belo e atualíssimo texto,  escrito por Roberto Curt Dopheide em 1995. Leia e aprecie: 

Já se vão anos, foi-se o meu Papai Noel. Velhinho bondoso mas severo, barbas brancas, grande, gordo, onipresente, quase onipotente, esvaiu-se quase como se esvai uma nuvem de fumaça.

Os natais se passaram, um a um, ano após ano. Embora o espírito de paz e o clima festivo estivessem sempre presentes, o encanto não era mais o mesmo. A vida deu as voltas que dá com cada um de nós: desgostos, decepções e abandonos, alegrias, venturas e paixões.

De certa forma enriqueci com a vida, mas o Papai Noel foi-se embora. Ficaram as lembranças doces da infância: o sapato na janela, o saco cheio de presentes e brinquedos, os intermináveis dias de expectativa até que chegasse, enfim, a Noite Feliz...

A realidade e a moral muitas vezes se chocam. Assim é quando educamos nossos filhos. É difícil ensinar-lhes a importância do verdadeiro, quando nos bombardeiam, seguidamente, as injustiças. Não raro ficamos entre pregar bons princípios ou indicar o caminho, geralmente mais fácil, da sobrevivência.

Há alguns anos meus filhos descobriram que o Papai Noel é uma lenda. Penalizado por dentro, descobri que ele se fora pela segunda vez. Descobri que a mentira amiúde é doce, principalmente quando se chama “ilusão”!

O Papai Noel não é mais o mesmo. Não sei se isso se deve ao fato de, em criança, enxergarmos as coisas com olhos de criança ou se, de fato, ele decaiu: magro muitas vezes, raquítico até, barba postiça mal colocada, maquiagem quase de bordel, roupas amassadas e nas mais diferentes tonalidades de vermelho. Até de azul já o trajaram. Cada loja tem o seu. As balas que lança às crianças são escassas, quando existem. O saco que carrega às costas não raro é de linhagem e está, invariavelmente, murcho. Vendem-no até por telefone!

Rezo que meus filhos um dia possam dizer aos seus próprios filhos da existência dele. Que possam curtir, poucos anos que seja, essa ilusão, essa lenda. Mas quando meus filhos crescerem, estiverem mais velhos, tentarei surpreendê-los mais uma vez ao revelar-lhes que Papai Noel existe!

Sim, ele é verdadeiro! Não lhes trará mais carrinhos, nem doces, nem bonecas, nem bolas. Dar-lhes-á mais, entretanto: os presentes do abstrato.

Um dia direi a meus filhos que o Papai Noel é a verdade quando a mentira parece mais fácil ou cômoda. Que ele é a paz quando tantos meninos e meninas nesse mundo afora morrem de fome e de guerra. Que ele é compreensão de atitudes incompreensíveis. É fraternidade e aceitação dos defeitos do ser humano. Que tem em suas barbas brancas, ainda que mal-feitas, a beleza da maturidade, o encanto da experiência. Direi que ele é a conciliação de mal-entendidos familiares. É o aceitar de divergências e o procurar incessante de convergências.

Direi que é um pouco Deus e um pouco homem: virtudes infinitas e falhas. Direi que encanta enquanto lenda e ensina enquanto humano.

Direi, ainda que velho, ainda esperá-lo, como a mesma sofreguidão, ano após ano, no Natal, trazendo-me, e aos meus, saúde, esperança, muita esperança e fé de que possamos sempre crescer, ainda que não fiquemos maiores. Que no saco que leva aos ombros estão contidos todos os sonhos do homem. Que junto com seu trenó é possível pegar carona, navegar pelos ares, dando vazão aos nossos sonhos, pois cada mudança, cada conquista, cada pedra com que construímos esse nosso caminho pela vida é precedido de um sonho, uma ilusão, uma lenda...

Jamais algo foi feito que não tivesse antes sido sonhado. Sim, um dia provarei a meus filhos, quiçá aos meus netos, que Papai Noel existe...

Natal 1995, Roberto Curt Dopheide.

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