quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Nem só de Hering vive a Hering

Desde 1998, a Cia. Hering é gerida por Fábio Hering, responsável pela recuperação da Companhia depois de uma quase falência. Antes disso, o hoje presidente estudou Administração e atuou na consultoria Arthur Andersen (hoje Accenture) e na agência de propaganda CBB&A .

Ao assumir a presidência da Cia Hering, o integrante da quinta geração identificou que a marca e os pontos de venda eram os reais ativos da empresa. Para otimizar os negócios, terceirizou parte da produção e adotou um modelo híbrido que inclui fábricas próprias, terceirização no Centro-Oeste e Nordeste do Brasil e na China.

Em dezembro de 2013, concedeu a seguinte entrevista para a revista “Época Negócios”, reproduzida a seguir:

O ano de 2013 não começou bem para a Hering, com queda de vendas no primeiro trimestre. Vai terminar bem?

Este ano foi bem desafiador para o pais e para as empresas. O modelo de sociedade de consumo, construído durante os anos Lula e mantido na gestão Dilma, vem enfrentando desafios grandes. Toda essa história de classe média, nova, emergente, com mais de 30 milhões de pessoas entrando no mercado, está, agora, entrando em xeque. A pergunta que se faz é: qual será a segunda pernada desta política econômica? O modelo parece ter chegado ao seu esgotamento, num ambiente macroeconômico pouco favorável. Estamos com pleno emprego, mão de obra escassa, os custos brasileiros continuam altos, a produtividade não cresceu, a indústria em geral vem sofrendo bastante com a concorrência do produto importado. Na Hering, os números de 2013 estão, de certa forma, refletindo essa situação. Crescemos mais que o mercado, mas abaixo de nossas projeções. A nossa sorte é que o modelo de negócios que a gente criou, lá atrás, nos permite buscar alternativas. Eu costumo dizer internamente que temos muita adaptabilidade para ir atrás de oportunidades.

Quais são essas alternativas?

Vamos aproveitar todo o potencial do nosso portfólio. De 2007 até o ano passado, a gente vinha registrando um forte avanço focado essencialmente na marca Hering. Mas temos outras marcas importantes como a Hering Kids, a PUC e a Dzarm. Neste ano, criamos uma plataforma de crescimento baseada justamente na força desse portfólio. Lançamos projetos como a Hering Kids e estamos desenvolvendo um plano para a Dzarm, que hoje é distribuída apenas apenas em canais multimarcas. A partir de agora a marca terá também uma rede de lojas. Então, de certa forma, 2013, ainda que tenha sido um ano morno em termos de receitas, virou um marco para a companhia. Será o ano da terceira onda de crescimento.

O que a marca Hering, o carro-chefe, representa em termos de receita?

Cerca de 70%. As infantis, PUC e Kids, respondem por 20% e a Dzarm fica com os 10% restantes. Claro que investir nas demais marcas não significa tirar o pé do acelerador com a Hering. Recentemente nós divulgamos um estudo, baseados em indicadores do IBGE e da POF, que mostram um grande potencial de crescimento para as Hering Store. Hoje, temos 568 lojas Hering, em quase todos os estados brasileiros. O estudo mostra que há espaço para dobrar esse número.

Como será o projeto Dzarm?

Não posso dar maiores detalhes, até porque este projeto ainda está sendo escrito, desenvolvido. Outra novidade será uma loja Hering voltada ao público feminino, com um formato diferenciado, um novo conceito que eu também ainda não posso divulgar. Para colocar todas essas novidades no mercado, nós fizemos alterações na estrutura da empresa. Principalmente nas áreas de mercado, que a gente chama de marketing comercial. Criamos duas diretorias novas, a partir de uma diretoria que foi extinta, que era de marketing, e separamos as marcas. Temos, agora, uma diretoria para a Hering e outra diretoria para as demais marcas. Trouxemos executivos do mercado e promovemos talentos internos para tocar essas duas diretorias. É, como disse, uma nova era para a companhia.

Mas, com a economia em ponto morto, não é arriscado acelerar desse jeito?

Como disse, em termos de receita registramos um crescimento pouco abaixo de nossas expectativas. Isso ocorreu por dois motivos. Um é o contexto macroeconômico. A gente não está vivendo neste ano um paraíso do consumo de vestuário, como vivemos nos anos anteriores. Mas, em relação a isso, temos muito pouco a fazer. O outro motivo, este sim tem a ver com esforço operacional, foi a baixa performance de vendas nas lojas já existentes. Este é um ponto crítico e não houve crescimento. Foi praticamento zero no terceiro trimestre. O que temos neste momento é realmente um setor onde não há crescimento de demanda. E o que se faz nesses casos? Entra-se naquilo que a gente chama de rouba monte. É o jogo de tirar o consumidor do outro. E esse outro é o concorrente, ou os concorrentes, já que o setor é extremamente fragmentado. O problema é que o ambiente concorrencial está cada vez mais forte e isto exige da gente. Por isso os novos projetos.

E a chegada das marcas estrangeiras ao Brasil (Gap, Forever 21, Topshop)?

Por enquanto a gente não sente reflexo nenhum. era natural acontecer esse desembarque, e acho até que demorou muito. As razões para este atraso estão ligadas, provavelmente, às dificuldades de operar no Brasil. É preciso conhecer o mercado. É um hemisfério com coleções opostas. Também não é fácil operar dentro de um mercado extremamente fragmentado, com muita concorrência. A nosso favor, eu diria que a Hering construiu uma boa barreira para evitar o rouba monte. Não estou dizendo com isso que estamos na situação confortável de ignorar a concorrência. Vamos acompanhar cada passo deles.

Você disse que a Hering está entrando na terceira onda de crescimento. Como foram as outras duas?

Durante um bom tempo, lá pelos meados da década de 90, a companhia teve um foco muito voltado para a indústria. Naquela ocasião, a gente começou a enxergar que o grande ativo que tínhamos nas mãos não eram as fábricas, não era a indústria em si, mas o intangível. Teríamos que trabalhar as marcas e os canais de distribuição. Isso exigiu mudanças significativas em todo o nosso processo. E então mudamos o nosso modelo de negócios. Naquele momento a empresa estava numa situação muito difícil, de endividamento alto. O Brasil vivia taxas de juros de 30%, 40% ao ano, não crescia. O mercado de capitais não existia. Não havia aumento de renda. E, ainda assim, nós conseguíamos fazer esse movimento de reinventar a empresa. Criamos a rede Hering Store e fomos reestruturando. Em 2005 tínhamos esse modelo montado e, aí sim, nos preparamos para voltar a crescer. Em 2006 fizemos um novo plano de negócios. E no ano seguinte abrimos o capital, iniciando o segundo ciclo de crescimento.

O que mudou na companhia com a abertura de capital?

Hoje, 69% do nosso capital é free float (está no mercado). Temos investidores de todas as partes do mundo. Nossa estrutura de capitais é moderna. Não somos uma corporation pura, que não tem um dono. O investidor gosta de nosso modelo porque tem uma família no comando - sem ser controladora - que entende do negócio e quer ficar no negócio no futuro. É o modelo que vem dando certo. É só olhar os números. Hoje a nossa geração de caixa é maior que o faturamento que a gente tinha em 2006, o ano anterior à abertura de capitais. Está por volta de R$ 500 milhões de reais. Em 2006 nós faturávamos R$ 400 milhões. No ano passado chegamos a R$ 1.8 bilhão em vendas. É uma história de crescimento muito forte. Saímos de 150 lojas para mais de 500 lojas hoje de Hering Store.

Quantas são franquias?

A maioria das Hering Store é franqueada. Nós temos hoje 50 lojas próprias. Em número de lojas, menos de 10% são próprias. Em termos de receita é um pouco mais, porque essas lojas estão em locais de grande movimentação, com faturamento mais alto. Esse é o modelo que a gente tem para operar. No fundo, o que criamos na companhia foi um modelo de rede. Nós temos diversos stakeholders, tanto na parte de distribuição (as lojas) quanto na de produção. A gente tem um sistema híbrido, com fabricação própria, terceirizada e importação. Não somos mais uma empresa de Santa Catarina. Somos uma companhia que produz em Santa Catarina, Goiás, no Rio Grande do Norte, na Ásia... Tudo com parceiros. Criamos a grande família Hering.

Dzarm também deve seguir o mesmo modelo?

Sim.

Aquisições estão no radar?

Não como prioridade na agenda.

Fonte: Revista Época Negócios dezembro/2013.